terça-feira, 20 de agosto de 2013

Jogando Contra a Homofobia - O Beijo da Discórdia

Por Sousa e Martins

A história do futebol possui capítulos muito tristes em relação ao preconceito. No final do século XIX, quando o futebol foi trazido ao Brasil por Charles Müller, e os negros não podiam participar das partidas, em função da condição de escravizado recém-abolida e da sua condição de marginalizado. Nem a possibilidade de ver os jogos lhes era dada. Ainda nos dias de hoje vemos muitos jogadores sendo hostilizados em função de sua cor, inclusive na "democracia racial" chamada Brasil.

Nesse sentido, percebemos que o futebol, por estar inserido em nossa sociedade, acaba reproduzindo os padrões normativos preconceituosos do cotidiano. Incluindo o excluído quando é de seu interesse, e excluindo ainda mais o excluído quando lhe convém.

Crescemos ouvindo que o futebol é uma paixão que move milhões de pessoas por todo o mundo. Agora, leia essa frase novamente e responda: se o futebol move milhões, você acha realmente que todas essas pessoas são heterossexuais?

Humanos, demasiado humanos...

Sim, o futebol é um esporte praticado por seres humanos. Incrível como nos esquecemos disso, né? Ainda mais quando o foco é o time pelo qual torcemos. Emerson Sheik, jogador do Corinthians, é a polêmica da semana, pelo "selinho" dado em um amigo num restaurante em São Paulo, no último domingo. Assim foi com Ronny e Leandro Amaro, durante um treino no Palmeiras em março deste ano e diversos outros casos.

Não estamos aqui discutindo a opção sexual de A ou B. Mas um comportamento que foge os "padrões" heterossexuais estabelecidos é tratado como uma anormalidade que muitas vezes esbarra - quando não cai - na homofobia.

Também não estamos atacando torcedores de time A ou B. Alguns integrantes de organizadas do próprio Corinthians falaram tantas asneiras, que chegou a dar dó da tamanha ignorância e pequenez intelectual. São esse tipo de gente que hostiliza homossexuais na rua, que hostiliza sua namorada no estádio e que ainda fazem um mal sem tamanho ao clube a que torcem, a partir do momento que se sentem no direito de pedir a expulsão do jogador que marcou dois gols e teve a melhor atuação da final do torneio mais cobiçado pelos torcedores do clube: a Libertadores da América.

O problema é que já perdemos outras ótimas oportunidades para debater seriamente esse tema: quando Jorge Lafond -a eterna Vera Verão - declarou ter um caso com um jogador da Seleção Brasileira, ou o ódio/desprezo demonstrado pela torcida sãopaulina com o Richarlyson, ou no próprio caso do Ronaldo e os travestis.

Mas não! Preferimos contribuir com a propagação da normatividade homofóbica, machista e preconceituosa através de piadas de gosto duvidoso e que ridicularizam homossexuais, mulheres e outras minorias. As torcidas preferem apenas rivalizar, utilizando de apelidos jocosos para atingir os rivais, ao invés de engrandecer o próprio time. E digo mais: as organizadas que tanto batem na tecla de que não são uma corja de bandidos, que desenvolvem projetos sociais em suas sedes preferem é fomentar ainda mais a homofobia do que enfrentar um problema da sociedade de frente.

A imprensa também cumpre seu papel, quando trata o assunto como polêmica. Assistindo o Jogo Aberto, por exemplo, ambos os apresentadores trataram o tema como se fosse algo de outro planeta. Trataram de jogar mais combustível na fogueira deixando de lado, por exemplo, um assunto extremamente grave como o espancamento de um flamenguista por parte de uma torcida organizada do São Paulo, como se fosse algo menos relevante.

Pois é: uma demonstração de amor e afeto choca mais as pessoas do que a selvageria!

Estamos nos tornando fundamentalistas extremamente perigosos. Afinal, além de considerarmos os rivais inimigos, transformamos os homossexuais em um inimigo também!

"Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais" disse Marc Bloch, parafraseando um provérbio árabe. Acho que na maioria das vezes, somos piores como seres sociais do que nossos pais o foram.

Enfim, a intenção aqui não é tornar Emerson Sheik um heroi, um mártir, mas sim servir de alerta para pensarmos e refletirmos sobre as atitudes e julgamentos que a sociedade vem fazendo. É preciso pensar se o próximo passo para a homofobia e as outras formas de preconceito não transformarão o homem em um ser humanofóbico, em que valores como amor, carinho e respeito sejam jogados para escanteio ou deixados no banco de reservas.

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